Quando o bebê nasce e é colocado ao seio pela primeira vez, um processo impressionante entra em ação dentro do corpo da mãe. O que parece um simples ato instintivo de nutrição é, na verdade, resultado de uma complexa engrenagem hormonal, cuidadosamente regulada para garantir não só alimento, mas também proteção, vínculo e saúde física e emocional para mãe e bebê.
Prolactina, ocitocina, estrogênio, progesterona, insulina e outros hormônios atuam em sincronia desde a gravidez até o desmame. Eles não apenas comandam a produção e a liberação do leite, mas também respondem às emoções da mãe, ao toque do bebê e ao ambiente ao redor. Tudo isso faz parte de um sistema delicado e complexo que possibilita a amamentação.
Entenda como essa sofisticada combinação de hormônios age no corpo da mãe, os fatores que podem dificultar a amamentação e como lidar com eles.
Quais são os principais hormônios da amamentação?
A amamentação é um processo fisiológico complexo, sustentado por uma sofisticada interação hormonal que se inicia ainda na gestação e se intensifica após o parto. Entre os principais protagonistas desse sistema estão a prolactina e a ocitocina, hormônios produzidos pela hipófise que, juntos, coordenam a produção e a liberação do leite materno.
A prolactina, secretada pela hipófise anterior, é estimulada desde a gravidez, preparando as glândulas mamárias para a lactação. Segundo a pediatra e neonatologista Rossiclei Pinheiro, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, esse processo já pode ser percebido por algumas mulheres a partir da 20ª semana de gestação, com a presença do colostro e início da chamada lactogênese I.
Após o parto, a retirada da placenta provoca uma queda brusca nos níveis de estrogênio e progesterona, permitindo que a prolactina atue com mais intensidade. Esse é o marco da lactogênese II, ou apojadura, quando há aumento expressivo no volume de leite nos primeiros dias de vida do bebê. A partir daí, a produção segue um sistema de oferta e demanda: quanto mais o bebê suga, mais leite é produzido. Por isso, o esvaziamento frequente das mamas é essencial para manter a produção ativa e equilibrada.
Ocitocina: responsável pela ejeção do leite
A ocitocina, por sua vez, é produzida pela hipófise posterior e tem papel central na ejeção do leite. Durante a mamada, ela promove a contração das células musculares ao redor dos alvéolos mamários, empurrando o leite pelos ductos até o mamilo.
De acordo com o ginecologista e obstetra Vamberto Maia Filho, essa liberação não depende apenas da sucção, mas também de estímulos sensoriais como o toque, o choro ou o cheiro do bebê. Além de atuar no corpo, a ocitocina também ativa áreas do cérebro ligadas à empatia, fortalecendo o vínculo afetivo entre mãe e filho.
Quando a ocitocina está em alta, a conexão entre mãe e bebê se fortalece de forma natural. O contato pele a pele, o olhar atento e o toque carinhoso se tornam gestos espontâneos que ajudam a criar um vínculo profundo e seguro. Em UTIs neonatais, o método canguru promove esse encontro íntimo e constante, fortalecendo o laço afetivo entre os dois.
Mesmo em situações em que a mãe não consegue oferecer o leite diretamente, o momento da amamentação pode manter seus efeitos positivos. A ginecologista Zsuzsanna Jármy Di Bella, professora da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, explica que o cérebro materno continua liberando ocitocina e prolactina quando há envolvimento emocional durante a alimentação do bebê, mesmo que seja com mamadeira, colher ou sonda.
“A troca de olhares e o contato pele a pele ativam o hipotálamo, estimulando a liberação desses hormônios. Por isso, é fundamental que esse momento seja vivido com presença e atenção, sem distrações como celulares ou outras tarefas paralelas”, orienta.
Outros hormônios que influenciam à amamentação
Além da prolactina e da ocitocina, outros hormônios desempenham funções complementares e essenciais para viabilizar a lactação. O estradiol e a progesterona, por exemplo, são cruciais durante a gestação para o desenvolvimento das estruturas mamárias. O estradiol estimula a formação dos ductos mamários, enquanto a progesterona, em associação com ele, promove a diferenciação dos alvéolos responsáveis pela secreção do leite. Após o parto, a queda abrupta desses dois hormônios permite o aumento da prolactina e o início da produção efetiva do leite.
Já o cortisol e a insulina são fundamentais para a função secretora das glândulas mamárias. O cortisol atua na diferenciação celular e na ativação de genes envolvidos na produção dos componentes do leite, como lactose e proteínas. A insulina, por sua vez, favorece a captação de glicose e estimula a síntese de lactose, lipídios e proteínas essenciais para a composição nutricional do leite materno.
O hormônio do crescimento (GH) também participa desse processo de forma indireta. Embora não seja um dos hormônios centrais da lactação, ele contribui para a manutenção da produção ao estimular a proliferação e a atividade das células mamárias, além de atuar no suporte metabólico necessário para sustentar a demanda energética da lactação.
Etapas da lactação e a importância da livre demanda
A produção de leite materno ocorre em fases progressivas, iniciadas ainda durante a gestação. As etapas conhecidas como lactogênese I e II envolvem, respectivamente, a preparação das glândulas mamárias e o aumento do volume de leite após o parto. Em seguida, tem início a galactopoese, fase de manutenção da lactação, na qual a produção passa a depender diretamente da sucção do bebê: quanto mais ele mama, mais leite é produzido.
Esse processo é impulsionado pela chamada “hora de ouro”, momento logo após o nascimento, em que o bebê é colocado pele a pele com a mãe e realiza a primeira mamada. “Se a mãe estiver tranquila, sem dor e com o bebê no peito desde o início, o colostro começa a fluir e vai sendo gradualmente substituído pelo leite de transição. À medida que o estômago do bebê cresce, a produção se ajusta naturalmente, desde que haja sucção regular”, explica a pediatra Rossiclei Pinheiro.
A partir da chamada lactogênese III, é o próprio bebê que regula a produção de leite. A amamentação em livre demanda ajuda a manter a liberação contínua de prolactina e ocitocina, sustentando o equilíbrio hormonal necessário para a lactação.
O leite materno também se adapta às necessidades do bebê ao longo do tempo. Na primeira semana, o colostro é concentrado em proteínas e anticorpos. Na segunda, o leite transicional apresenta mais lactose, que ajuda a acalmar o bebê. A partir da terceira semana, o leite maduro, que é mais gorduroso ao final das mamadas e no período noturno, se estabelece, favorecendo o sono e o ganho de peso.
No caso de bebês prematuros, o leite se torna naturalmente mais proteico, essencial para o desenvolvimento neurológico. Além disso, fatores como a alimentação da mãe e o uso de medicamentos podem modificar o sabor e a coloração do leite, sem afetar sua qualidade nutricional.
Segundo a presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, qualquer interferência precoce, como o uso de mamadeiras, bicos ou a introdução de outros alimentos nas primeiras semanas, pode comprometer o equilíbrio hormonal. Isso porque o corpo da mãe só entende que deve continuar produzindo leite se a mama for esvaziada com frequência.
Fatores que afetam a produção hormonal e a amamentação
A amamentação é um processo natural, mas também delicado e profundamente influenciado por fatores físicos, emocionais e externos. Embora o corpo esteja preparado para produzir leite, esse funcionamento depende de um equilíbrio hormonal que pode ser facilmente abalado.
Do ponto de vista emocional, o estresse está entre os maiores inimigos da amamentação. Situações de ansiedade, sobrecarga ou insegurança aumentam os níveis de cortisol no organismo, o que pode inibir a liberação de ocitocina e, em casos mais prolongados, também interferir na produção de prolactina.
Segundo a ginecologista, obstetra e ultrassonografista Isabela Nelly, doutora pela FCM da Unicamp, o cansaço físico, especialmente a privação de sono nos primeiros meses, também pode afetar a produção de leite. “A prolactina atinge seus picos mais altos durante a noite, e a falta de descanso contínuo pode desregular esse ritmo. Cochilos durante o dia e a divisão de tarefas noturnas com o parceiro ou familiares são estratégias recomendadas para preservar o equilíbrio hormonal e favorecer a produção”, ressalta.
Problemas comuns relacionados à produção hormonal
Além disso, fatores clínicos e externos merecem atenção. Condições de saúde como obesidade, diabetes mellitus, doenças inflamatórias crônicas ou distúrbios endócrinos estão associadas à menor produção de leite e alterações em sua composição. Essas condições podem modificar o perfil hormonal e inflamatório da mãe, impactando negativamente a amamentação.
Isabela alerta que determinados medicamentos também podem interferir nesse processo. Descongestionantes com pseudoefedrina, anticoncepcionais com estrogênio e outras substâncias que atuam sobre a regulação hormonal central devem ser evitados durante o aleitamento. O mesmo vale para o uso de álcool, nicotina e a exposição a disruptores endócrinos, que podem prejudicar tanto a quantidade quanto a qualidade do leite.
Até mesmo intervenções realizadas no parto podem afetar o início da lactação. O uso excessivo de anestésicos ou de ocitocina sintética pode comprometer a ejeção do leite nos primeiros dias. Já no pós-parto, quadros como depressão ou ansiedade não tratada podem continuar afetando a resposta hormonal da mãe.
Diante desses desafios, é fundamental que as mulheres tenham acompanhamento profissional qualificado. Médicos e consultores de amamentação podem ajudar a identificar os fatores que estão dificultando o aleitamento, orientar ajustes necessários e oferecer suporte técnico e emocional para que esse processo siga seu curso da forma mais saudável possível, para mãe e bebê.
Amamentação não é solitária, o apoio faz toda a diferença
Por mais que a amamentação seja um processo natural, ela está longe de ser automática. Envolve aprendizado, adaptação e, principalmente, uma rede de apoio presente e ativa. O suporte emocional, físico e informativo de pessoas próximas, como o parceiro, familiares e profissionais de saúde, ajuda a reduzir o estresse, fortalece a autoconfiança da mãe e favorece a liberação da ocitocina, essencial para a ejeção do leite.
Apesar de quase todas as mulheres desejarem amamentar, muitas enfrentam barreiras logo nas primeiras semanas. Segundo a pesquisa ENANI, Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, 97% das mães brasileiras tinham a intenção de manter o aleitamento, mas apenas 45,7% conseguiram amamentar exclusivamente até os seis meses. “Esse abandono precoce costuma ocorrer especialmente nas duas primeiras semanas, quando a mãe ainda está se adaptando à nova rotina, ao corpo e às necessidades do bebê”, diz Rossiclei.
Nesse período, cuidados simples fazem a diferença. Ambientes tranquilos, massagens nas mamas, boa hidratação e uma alimentação equilibrada são aliados na produção e manutenção do leite. Dietas restritivas ou a falta de descanso podem reduzir a oferta, já que o corpo gasta, em média, 500 calorias por dia para produzir leite. É fundamental que a mãe esteja bem nutrida, acolhida e informada.
O apoio não deve vir apenas do ambiente doméstico. As empresas também têm um papel relevante. A licença-maternidade de 180 dias, prevista pela Lei nº 11.770 para empresas cidadãs, permite que a mãe mantenha a amamentação exclusiva por mais tempo, sem a pressão do retorno precoce ao trabalho. E, quando esse retorno acontece, contar com uma sala de apoio à amamentação facilita a ordenha e o armazenamento do leite, que pode ser iniciado cerca de 15 dias antes, garantindo a continuidade do aleitamento mesmo à distância.
A amamentação depende do equilíbrio entre corpo, mente e ambiente. Pequenas ações, como respeitar os limites do corpo, reduzir o estresse, dormir sempre que possível e contar com ajuda, podem transformar essa fase em uma experiência mais leve. Como reforça Isabela Nelly, cada mãe é única e, com o apoio certo, ela pode encontrar o caminho para uma amamentação mais tranquila e bem-sucedida.
Matéria públicada pela Crescer.


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